Quando eu fiz quatro anos, e isso foi há quatroze anos atrás, o casamento dos meus pais enfrentava mais uma das tantas crises e eles estavam separados. Eu tive uma grande festa, com baloes, bolos, doces e crianças. Presentes também, é claro. Mas ele não foi. Eu não brinquei com as crianças, mesmo tendo ganhado um conjunto de chá que eu tanto queria. Eu fiquei esperando. Minha mãe, tentando me agradar e me proteger como todas as mães, me entregou um Baby Doll de bichinho e disse que ele havia passado rápido por ali, mas que havia me deixado um beijo e um presente. Eu usei o Baby Doll até ele ficar tão pequeno que me apertava na cintura. Até hoje ela não desmentiu a história, mas a minha ingenuidade infantil se foi.
Neste mês você vai completar quatro anos. Eu espero que seja tão esperta, agil, inteligente e desconfiada quanto eu era. Só quem tem curiosidade e ousadia chega a algum lugar. Eu espero que você seja ingenua o suficiente para não ver o grande mal que ele causa as pessoas. Um dia ele vai lhe causar isso, e eu espero que ele se vá antes que isso aconteça.
Agora me recordo de como eu era quando tinha a sua idade. Além de arteira e estudiosa, eu era envergonhada e carismática. Tinha os olhos tão verdes quanto podiam ser, os cabelos desalinhados, a face sempre corada, os joelhos machucados...
E me pergunto sobre você... Como você é...
Meus desenhos favoritos eram os Jacksons. Meu ursinho era o Snoop. Aquele que tinha as cores, os numeros e um zíper. Minha cor era o azul, azul do grêmio. Eu tinha um cachorro que se chamava Leo. Ele morreu de um ataque do coração e eu chorei horas. Eu sempre gostei de comer massas e de brincar no parque. Andar de balanço e tocar o céu. Comer agodão-doce e provar das nuvens. O perfume que eu usava era Bebe, da Contem 1G. Eu era tão enfeitada e doce quanto uma boneca poderia ser.
E você?
E quando você chegar aos dezoito anos?
Será que algum dia vamos nos conhecer?
Será que algum dia vamos nos reconhecer?
Será que algum dia vamos nos aceitar?